2ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, Florianopolis, SC,Br.
Acórdão-2ªC RO 02066-2008-032-12-00-9
20.11.2009
INADIMPLEMTO DAS VERBAS RESCISÓRIAS. INDENIZAÇÃO POR DANO
MORAL.
CABIMENTO. A jurisprudencia evoluiu, nos últimos anos, para
considerar indenizável o dano moral de corrente do abalo de crédito que é a perda da capacidade de obtenção de crédito para aquisição de bens e serviços, pela inscrição no SPC, SERASA (ou outros órgãos de proteção ao crédito) ou mesmo pela efetivação indevida de protestos de títulos.
Empregador que deixa de pagar verbas alimentares não causa mero prejuízo, senão subtrai, por completo, não apenas o crédito, mas a capacidade de adquirir, mesmo a vista. Com efeito, o não pagamento das rescisórias (e até
de parte dos salários vencidos) produz efeito ainda mais danoso do que a
inserção de um consumidor no SPC, por impedir o trabalhador de adquirir
gêneros de primeira necessidade -alimento, habitação, transporte e
vestuário, mesmo a vista. Ao trabalhador do nível salarial do autor, não se pode comprometer o poder aquisitivo, porquanto sua preocupação
ainda se encontra na mera sobrevivência, com um mínimo de
dignidade. Se a perda indevida da capacidade de adquirir a prazo deve
ser indenizada, com maior rigor debe ser indenizada a perda da capacidade
de adquirir mesmo a vista, decorrente do inadimplemento de verbas
alimentares.
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de RECURSO ORDINÁRIO, provenientes da 2ª Vara do Trabalho de São José, SC, sendo recorrente O.N.V.e recorrido EBV EMPRESA BRASILEIRA DE VIGILÂNCIA LTDA..
Adoto, na forma regimental, o relatório da Exma. Juíza Relatora:
“Inconformado com a sentença das fls. da lavra da juíza Renata Felipe Ferrari, que julgou procedente em parte a ação, recorre o autor a esta Egrégia Corte.
“No seu arrazoado das fls. 91-98, insurge-se contra o indeferimento da indenização por danos morais e honorários advocatícios, pleiteando a reforma do
decisum. “Embora regularmente intimada à fl.99, a ré não apresentou contrarrazões.
V O T O
Satisfeitos os pressupostos legais de admissibilidade, conheço do apelo.
MÉRITO
1. DANO MORAL
Irresignado com a decisão de primeiro, recorre o autor a esta Corte Revisora pretendendo a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos
morais.
Sustenta que a ré, ao não cumprir a obrigação de pagamento das verbas rescisórias, praticou um ato ilícito gerando-lhe abalo moral e angústia com a situação da sua família, entendendo, portanto, ter habido um dano a sua moral. Razão lhe assiste.
A ré confirma na contestação o não pagamento das verbas rescisórias de todos os seus
trabalhadores, alegando que são objeto de pagamento através de quadro-calendário apresentado nos autos do processo movido pelo Ministério Público do Trabalho.
Contudo, não se pode admitir que o empregado arque com os riscos do empreendimento, sendo ese ônus do empregador, razão pela qual, se problemas administrativos implicaram no inadimplemento dos salarios em sentido estrito e das verbas rescisórias, o fato não pode ser tolerado, dada a natureza alimentar da obrigação. Sob minha ótica, a ré poderia e deveria efetuar os pagamentos dos empregados, bem como, os recolhimentos tributários, previdenciários e do FGTS, mesmo que para isso obtivesse empréstimo bancário ou vendesse
parte de seu patrimônio (é notório que o fato se repetiu em relação a dezenas ou centenas de trabalhadores). Entretanto, também não se pode admitir que a falta de pagamento das verbas salariais e rescisórias seja considerado mero dano material, elidível com o respectivo pagamento.
Se a jurisprudência evoluiu, nos últimos anos, para considerar indenizável o dano moral decorrente do abalo de crédito que é a perda da capacidade de obtenção de crédito para aquisição de bens e serviços, pela inscrição no SPC, SERASA ou mesmo a efetivação de protestos de títulos, o que se poderá dizer do caso em que mesmo as vendas à vista ficam impossibilitadas?
Em outras palavras, é extremamente mais grave ficar impossibilitado de adquirir bens de primeira necessidade à vista, por jugulada a fonte da renda alimentícia, do que perder o acesso às vendas a prazo, cartões de crédito, contas bancárias etc. e que geralmente Documento assinado eletronicamente por JOSÉ ERNESTO MANZI, Juiz Redator (Lei 11.419/2006). não são utilizados pelos trabalhadores de baixa renda, para a aquisição dos itens básicos da sobrevivencia (alimentação, saúde e habitação) e também da existencia digna (transporte, vestuário e educação).
Não há abalo de crédito maior do que inadimplir os créditos trabalhistas do trabalhador e, com isto, cortar-lhe a própria fonte de subsistência (crédito primário), ao invés de comprometer, por cobrança indevida, o crédito secundário. Ao trabalhador do nível salarial do autor, não se pode comprometer o poder aquisitivo, porquanto sua preocupação ainda se encontra ao nível da mera subsistência/sobrevivência, com um mínimo de dignidade. Nesses casos, solapar crédito alimentar é solapar a sobrevivência, a dignidade, a honra, a tranqüilidade etc. O trabalhador perde o crédito no mercado, na farmácia e no açougue, deixa de pagar o aluguel, a água, a luz, o transporte etc, não havendo como manter a tranqüilidade ou a dignidade nesses casos, o que acaba redundando em perda do respeito pelos familiares, vizinhos etc.
Quem não paga conta é chamado no linguagem popular de “caloteiro”, sendo que a opinião pública não distingue quem é inadimplente por vontade própria ou por gastar mais do que gana (irresponsabilidade) e quem não paga as contas, apesar de ser responsável, trabalhador, dedicado etc, apenas porque não lhe contraprestaram o salário que lhe seria devido, apesar de ter cumprido com suas obrigações.
A ré não é uma pequena empresa que se viu açoitada por uma crise temporária, mas uma empresa organizada e que, recebe em troca do labor que seus empregados presta, valores bastante consideráveis, dado o seu porte.
Assim, a recorrida poderia ter evitado o dano, não o fazendo em razão do descaso que se não possui, ao menos demonstrou no episódio, no que se refere à dignidade do trabalhador e o fazendo retirou do autor o sono, o meio de sustento, o crédito e a honra, não podendo passar impune a tamanha irresponsabilidade.
Sendo assim, reconheço a existência de dano moral a ser indenizado. Passo a arbitrar a indenização.
A reparação civil dos danos morais tem a finalidade de constituir um lenitivo ao dano causado. Isso porque, em dano moral, não se admite a restituição do bem lesado. Assim, nas palavras de Zenun: não se paga e não se indeniza a dor, o sofrimento, os sentimentos do lesado, mas reparam-se as conseqüências desses
antecedentes [...]. Pelo sucedâneo econômico, ou em dinheiro, chega-se à reparação do dano moral por meios indiretos, isto é, proporcionando ao lesado uma satisfação causada pelo prazer, pela diversão, ou por outro meio que seja capaz de amenizar a dor ou o sofrimento.
Esse lenitivo deve atentar para o critério principal disposto na legislação civil para a
fixação de indenização, qual seja, o da extensão do dano.
Dispõe expressamente o art. 944 do CC que “a indenização mede-se pela extensão do dano”. Claro, tratando-se de danos ao patrimônio imaterial, é impossível uma equivalencia exata entre o dano e o valor da reparação. Todavia, a extensão do dano pode ser dimensionada mediante a análise dos seguintes aspectos: a) o bem jurídico lesado; b) dimensão temporal da lesão; c) repercussão do ato ilícito; d) condição pessoal da vítima. Extrai-se do escólio de Wesley de Oliveira Louzada Bernardo:
A medida da extensão do dano poderá estabelecer-se sob a análise de diversos aspectos. O primeiro e mais evidente é o aspecto da dignidade humana atingido. Ou seja, a lesão à vida tem uma extensão maior que a lesão à liberdade sexual (v.g, estupro), que, por sua vez, supera uma lesão à honra objetiva (como o protesto indevido de título, por exemplo). [...] Outro aspecto que deverá ser levado em conta ao medir-se a extensão do dano para fins reparatórios é a sua dimensão temporal, ou seja, o tempo de duração ou mesmo definitividade do dano. Se o dano é
definitivo (v.g. Tetraplegia), deverá ser reparado de forma mais abrangente que um
dano passageiro (vg. publicação única na imprensa) ou do que aquele sujeito à
correção (v.g. lesão estética sujeita a correção via cirurgia plástica). [...]
Ainda deve merecer relevo a repercussão dos fatos danosos. Ofensa à honra irrogada em ambiente familiar, naturalmente, repercutirá muito menos de que aquela irrogada em grande rede de televisão, de âmbito nacional ou em jornal de grande circulação.
No que concerne às condições pessoais da vítima, afirma o jurista acima que “deverá o juiz individualizar a lesão no contexto da vítima a fim de quantificar o dano. Deverá apreciar suas perdas específicas, em todos os aspectos de suas vida, sejam profissionais, familiares ou sociais. Aí, também, o fator idade deverá ser levado em consideração”. No caso em tela, os bens jurídicos atingidos pelo não pagamento das verbas salariais e rescisórias foram a intimidade e a vida privada. Não houve demonstração de dano efetivo à imagem do autor perante terceiros.
Estabeleço por parâmetro o valor de R$2.500,00 nesse primeiro aspecto.
No que concerne à dimensão temporal, o abalo repentino na estrutura financeira de um trabalhador costuma ter efeitos pelo menos a médio prazo, justificando o acréscimo indenizatório em mais R$ 750,00. A repercussão social do ato ilícito é
verificada no fato de que a falta do pagamento de salarios conduz o trabalhador à inadimplência, que causa prejuízos em série na cadeia social. Acresço a indenização, nesse ponto, em mais R$ 750,00.
Por fim, com relação à condição pessoal da vítima (idade, profissão, estado civil, cor,
religião, etc.), tais aspectos não foram preponderantes ao agravamento do dano.
Alguns doutrinadores defendem a utilização conjunta de outros critérios, como as condições sócio-econômicas do causador do dano e da vítima. Ocorre que a condição sócio-econômica da ré não pode servir de fundamento para a majoração do montante reparatório destinado ao autor, pois não está ligada ao evento danoso nem à extensão do dano, do que decorre que tal majoração proporcionaria enriquecimento sem causa da vítima. O enriquecimento sem causa deve ser evitado na responsabilidade civil por danos morais, a uma porque é vedado pelo ordenamento jurídico pátrio, a duas porque produz o sentimento na sociedade de que a vítima teve “sorte” em ter sofrido o dano, vulgarizando o referido instituto e incentivando a propositura de ações com interesse meramente financeiro.
Também a condição econômica da vítima não deve ser considerada como critérios de fixação do daño moral, a não ser que o ato ilícito tenha relação direta com tal circunstância, ou que esta agrave as conseqüências do dano, o que não é o caso. Isso porque a reparação dos danos morais tem por suporte a Dignidade da Pessoa Humana (CRFB, art. 1º, III), que a todos é atribuída igualmente. A extensão dos danos morais sofridos pela autora não seria diferente caso a autora tivesse rendimento maior ou menor.
Considerando, pois, os criterios avaliados, altero a sentença e fixo a reparação dos danos morais em R$ 4.000,00. Dou provimento parcial.
2. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Requer o autor sejam deferidos honorários advocatícios de 20% sobre o valor da condenação, diante da indispensabilidade do advogado, nos termos do art. 133 da Constituição Federal. Merece prosperar em parte o pleito, mas por outro fundamento. Revendo posicionamento anterior, adoto, como razão de decidir, os fundamentos utilizados pela MMª Juíza do Trabalho Ângela Maria Konrath em suas entenças:
Adoto o posicionamento de que são cabíveis honorários independentemente da
assistência jurídica sindical. A assistência judiciária gratuita é garantia constitucional (5º LXXIV) existente para tornar efetivo o direito fundamental de acesso à justiça. É deber do Estado, e não do Sindicato, manter a Defensoria Pública. E o Estado de Santa Catarina é o único, na República, que ainda não tem instituída a Defensoria Pública. A liberdade sindical (CRFB 8º)
impede a interferência do Estado na organização dos Sindicatos, não podendo,
por isso, ser transferido ao Sindicato o encargo de manter serviço de assistência
jurídica – daí não ser possível compreender como monopólio do Sindicato a
assistência judiciária aos trabalhadores, necessitando ser relido o art. 14 da Lei
n. 5.584/70, de modo a adequá-lo ao espírito da Constituição da República,
compreendendo-se a assistência judiciária sindical como um plus da entidade de
classe, não como uma função substitutiva da Defensoria Pública.Por isso, não pela sucumbência, que é inaplicável nas ações trabalhistas entre empregados e empregadores, tenho por devidos honorários assistenciais ao trabalhador que declare pobreza, nos termos do art. 5º, LXXIV, da Constituição da República, e da Lei n. 1.060/50.
Presente a declaração de hipossuficiência à fl. 12 dos autos, dou provimento parcial
ao apelo, neste aspecto, para deferir ao autor honorários assistenciais no percentual de 15% da condenação. O valor deverá ser deduzido de eventuais honorários contratuais pactuados, porquanto não teria sentido que diante do deferimento da assistência judiciária os autores arcassem cumulativamente com honorários advocatícios contratuais e os assistenciais.
Pelo que,
ACORDAM os Juízes da 2ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, por unanimidade de votos, CONHECER DO RECURSO. No mérito, por
maioria de votos, vencida, parcialmente, a Exma. Juíza Relatora, DAR-LHE PROVIMENTO PARCIAL para deferir indenização por danos morais fixada em R$ 4.000,00 (quatro mil reais) e honorários advocatícios de 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação. Arbitrar o valor da condenação em R$ 4.000,00 (quatro mil reais). Custas na forma da lei.
Intimem-se. Participaram do julgamento realizado na sessão do dia 17 de novembro de 2009, sob a presidencia do Exmo. Juiz Jorge Luiz Volpato, os Exmos. Juízes Mari Eleda Migliorini e José Ernesto Manzi. Presente o Exmo. Procurador do Trabalho Jaime Roque Perottoni.
Florianópolis, 20 de novembro de 2009.